segunda-feira, 10 de maio de 2010

PORCELANA DE INVISÍVEL MOVIMENTO

Como uma inexistente escultura performática , estava ela ali, parada, sentada à beira do viaduto, os pés balançavam , parados no ar, o olhar penetrava num infinito inimaginável, sua mão direita segurava o cigarro – que parecia fazer parte de seu próprio corpo -em sua boca com sorriso microscopicamente reto , que com movimentos invisíveis parecia engolir a brasa que corroía como ser híbrido.
Com um vestido que dançava triste, numa cor que parecia já ter sido branco, que parecia já ter sido digerido pela terra. Não se movia. Mas, como árvore parecia ter todo o seu corpo em movimento, como corrente sanguínea, como suspiros de músculos relaxando,como gritos de informações neurais , em arrepios de células epiteliais.
Parecia compreender algo. Algo sobre a existência humana ou mesmo parecia sentir algum tipo de conexão mística com o Universo. Porcelana . Lembrava os antigos bules de chá daquelas senhoras envoltas em tecidos ,que solitariamente conversam com um de seus gatos apenas olhando nos olhos felinos.Compreendia algo.

SUSPENSA DO / NO CAOS URBANÓIDE

Naquele exato momento, que olhei para o Oeste, a vi suspensa...Envolta em por do Sol, um céu que se transformava tão sutil quanto os movimentos dela.Invisíveis movimentos.Talvez agora suspirasse uma saudade.Trazida pela partida da luz em seus olhos.A imagem futura da noite, parecia afligi la de alguma forma. Os pés? Ainda balançavam parados no ar...Mas, algo aconteceu. Mesmo ainda assim inerte ,já não era como antes, apesar dos olhos no invisível, apesar do sorriso híbrido , apesar da imagem fotograficamente parada.Parecia sim , sentir uma dor que parecia vir do centro trigonométrico de seu ser. Saudade talvez do que já não podia ser.
O que doía, talvez fosse a lamentável e incontrolável dor de ver seu jardim pisoteado por espelhos, cada pedaço dilacerando sutil e impiedosamente cada caule, cada folha , e o que doía mais era ver dilacerado o devir das flores. Mas, aquilo não era ciência. Era cinema , era conto de fadas, eram as lojas de brinquedo, eram margarinas que se passa no pão de manhã.
Algumas manhãs.Poucas, foram floridas. E doíam a saudade do aroma daquelas flores .Raras e eternamente pereces aquelas primaveras de suores sorridentes em paz líquida.Suficiente em si , naqueles momentos.Raros.
A cada suspiro um pouco daquela dor se desfazia. Num movimento ainda imperceptíveis aos olhos , a dor se punha junto com o Sol , junto com os olhos .Olhos que agora, se fechavam lentamente, sendo este o primeiro movimento físico daquele corpo. Ela permanecia sentada parada , agora em outro cenário, agora entre pouca grama e terra seca. E um abismo enorme diante dela , como a rodovia de antes.
A noite chegou como se ensaiado com aqueles olhos que levavam o escuro da noite pra dentro. Parecia ter sugado a luz com seus olhos, como cura de sua dor.E curava. E os olhos se fecharam.

DEPOIS DE ALGUNS NAUFRAGIOS, AINDA PROCURA A BUSSOLA

Seus olhos fechados escondia a Iris daquele olhar que agora se transformara em bussola, em meio ao escuro dos olhos fechados.Direções. Seu norte ainda procurava o ponteiro imandado.
Bussolas mandálicas dançavam dentro dela. O Leste.
“De manhã, olhe para o Leste.” – ouviu do silêncio.
Nada mais. Seu ser se suspendeu em sono . Morfheus com Alzeimer. O escuro daquela noite colidiu simbioticamete com aqueles olhos fechados. E Escureceu.

RARA MANHÃ DIANTE O LESTE

A terra a nutria diante o abismo absoluto e respirava se dando conta do calor de seu próprio corpo, vido do leste. A bruxa do oeste se despedia triste do amor impossível sentido pelo calor do leste.
Amanheceu.Sim, ela abriu lentamente seus olhos e olhou para o leste.Para isso não precisou se mover, seu corpo havia girado e estava agora num balanço de madeira em campo florido. Permaneceu ali, ainda inerte, seus pés ainda balançavam parados no ar, diante o leste que trazia uma bola de fogo que esquentava macio, seu corpo.
Respirou o presente. Pensou nas raras flores das raras manhãs .
Um medo a fez piscar... nesse movimento rápido, tudo desapareceu de sua volta. Apenas uma única flor diante dela. E um abismo, agora num todo branco.
Suspendeu de leve seu braço, sua mão buscava aquele ser- flor diante dela.Girassol.
Talvez na tentativa de alcançar a flor, seu corpo se inclinou para o leste. E assim deslizou sutilmente o abismo branco. Seus pés em dança lenta parecia cauda de sereia nadando do imenso branco. Seu corpo parecia pétalas de dente de leão que voava naquele mar branco.Abismo.Sim, era um abismo.
Não a vi chegar ao chão, se é que existisse um naquele além.
Acompanhando seus movimentos a vi desaparecer , como pluma solta em ventania. E ainda se podia sentir o cheiro de seu sorriso ...
Talvez foi levada pro mais extremo leste, em cores de sépia e verde musgo,e num branco estourado, em tecido já digerido pela terra,em movimentos invisíveis de porcelana como bule. .

CHÁ

Chá. Tomarei um chá e lembrarei daquela porcelana que deslizou o abismo.Branco.
E , depois de alguns naufrágios, ainda procuro a bussola.
Coloquei um pouco do chá na xícara, flores desenhadas, raras flores.
No percurso de volta a mesa,o bule deslizou da minha mão e caiu no abismo da mesa.Lentamente o vi despedaçar sobre o chão, vi minha imagem refletida num caco de porcelana, o gato miou e lambeu o pouco de chá que ainda restava . Na minha imagem refletida havia a imagem da garota do abismo em minha Iris. A vi novamente. Em mim.
Pisquei querendo desfazer tudo aquilo, e nesse miléssimo de segundo a vi , morta num chão qualquer, quebrada como meu bule. Um gato imenso miava e lambia lentamente seu sangue.
Saí correndo de casa. Parei apenas quando passei sobre o viaduto.Olhei para o abismo.Porcelana. Deslizes. Chovia fino sobre a pele envelhecida.Lágrimas imperceptíveis com a chuva. Devagar. Longe.
Não posso descrever a imagem que se via, apenas sentia uma violenta e frenética pulsação embalada por um silêncio aterrorizante, que ritmava os carros da rodovia-abismo que fugiam rapidamente dos meus olhos, orquestrando motores na chuva fina.Digeria o cigarro como se digerisse o próprio fígado.Doce e dolorosamente. Drama.Cena.
Não. Não existia um pensar coerente ou linear ou inteiro.Turbilhão observador.Gostaria de ver um vulcão. Ver abismo em chamas.
Pensei em correr.Permaneci.
Queria voar.Abismo branco.
Voei deslizando lentamente e sorrindo para aquele abismo branco de chá de gatos de cacos de chuva.
Na queda, um caco da porcelana branca do bule, furou o músculo pulsante.Errada e incerta.Senti um gosto de sangue descendo pela garganta.Sim, era certo.O mesmo chão, a mesma mesa, o caco com meus olhos refletidos. Olhei em volta e a vi.
Porcelana de invisível movimento em meio ao pouco sangue que os gatos não lamberam.Sua mão estava fechada. Sentei ao seu lado, acariciei seus cabelos fracos, mal cuidados e cantei sussurrando algo de ninar.
Num gesto abriu os olhos e colocou sua mão em meu ferimento.
O caco de porcelana abriu em meu peito uma fenda e dali , Carmem tirou uma bússola, e colocou em mihas mãos.
O ponteiro girava impiedosamente.Fechei os olhos, na tentativa de acordar daquela realidade.E ali, naquele escuro dos meus olhos eu ouvi do silêncio:
-Olhe para o Leste...




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Baseado em destinos,deslizes e abismos em geral
Catatonia interlúdica- . Som sentido e silencio.
Abril/maio 2.010.

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